Estação Vila Mariana, são 22hrs, ainda faltam cinco estações.
Aqui tem muita gente, muitas histórias, muitas rotinas, problemas, amores. A gente divide o banco com alguém que nunca viu antes, e por alguns minutos, sem perceber, fazemos parte da vida dela. O mesmo acontece quando esbarramos em alguém na rua, a gente passa a fazer parte do dia da pessoa – em algum momento, ela vai lembrar daquele cara que pisou no seu pé, ou daquela moça que olhou em seus olhos pra pedir desculpas.
Nossas vidas se entrelaçam com outras que nem imaginamos!
Às vezes o desconhecido que você encontra todos os dias no ônibus, é a pessoa que mais te vê, sempre no mesmo horário, no mesmo lugar. Você sabe em que ponto ele desce, com quem ele fala ao telefone, onde ele trabalha, sem nunca ter trocado ao menos duas palavras – nem mesmo um “bom dia”. É como conhecer um estranho.
Estamos muito próximos de pessoas e de realidades tão diferentes da nossa, essa proximidade nos torna mais iguais, mais humanos, mas também amortece nossos sentidos – É, ironias da vida.
Com o tempo, a gente anda pela rua, imune ao outro, à sua dor, suas carências, seu riso, suas histórias. Com o tempo, a gente se acostuma a fugir daquela senhorinha falante no ponto de ônibus, daquele papo de “será que vai chover?” ou daquela pergunta na bancada da padaria: “assistiu ao jogo ontem?”.
Quantas vezes isso não acontece até dentro de casa? A rotina do “acorda às 6hrs, chega às 23hrs” amortece o olhar.
A gente passa a viver os dias como se tivéssemos vendas nos olhos, a gente se guia pela casa, pela rua e pelo trabalho como um cego faz nos ambientes que já conhece – a gente sabe onde fica o interruptor do banheiro, em qual andar é a nossa sala no trabalho, qual é o caminho de casa.
O Brasil é um país de injustiças, dentro e fora de cada cidadão.
Há quem não se valorize e subestime suas próprias virtudes, cometendo uma injustiça tremenda com todas as suas capacidades. E há também quem transmita isso para o outro, em forma de preconceito, discriminação ou julgamento.
Agimos hoje, quase sempre, como um piloto controla um avião à noite – a 38 mil pés, ele se guia somente pela matemática e pela física da coisa, pela frieza do conhecimento, pela rotina da experiência.
A gente se guia pela convenção do perfeito, pelo que os outros julgam importante, pela utopia social do politicamente correto.
Abandonamos aos poucos o faro dos sentidos, o encantamento dos olhos, tudo vira automático.
Meio ocupados, meio sem tempo, meio carne, meio máquina.
Próxima estação Conceição.
– Preciso descer!
Atualizado em 03/2021
Foto por PxHere