Quando a dor vira canção

Zona Norte de São Paulo. O trânsito continua caótico e o céu amanheceu nublado. De uma rua desconhecida nos fundos da Vila Medeiros, ouve-se ao longe o choro sofrido pela partida de alguém.

Dizem que ele gostava de samba e que levava a vida como se não houvesse amanhã. Até que um dia, entre o som da cuíca e as batidas no pandeiro, não teve tempo de ver o Sol se pôr. O agressivo trânsito paulistano não perdoa ninguém.

Do coração dolorido de quem fica, a última coisa que se espera é razão. Existem os que acreditam que a morte é só um começo, tem quem pense que este é um ponto final. E não dá para esquecer daqueles que ainda não entenderam o que ela quer dizer. Se é que diz.

Fato é que a forma como expressamos nossa dor e comoção diz mais sobre nós do que propriamente sobre quem se foi. Mostra como encaramos essa fase da vida que parece um fim. Ou seria o começo? Evidencia nossos medos e traz consigo o questionamento constante sobre o que vem depois. Neste momento, ninguém sabe o que dizer e a única certeza que nos resta é a de que ele não está mais aqui.

Na rua desconhecida nos fundos da Vila Medeiros, entre os sons das buzinas que ecoam no espaço deixado por quem se foi, o alguém do choro sofrido, numa expressão singela da sua dor, resolve cantar. Com a voz estremecida e as batidas tímidas que embalam a homenagem do Fundo de Quintal, um amigo garante seu último adeus: quero chorar o seu choro, quero sorrir seu sorriso, valeu por você existir, amigo.

Neste cantinho incógnito onde a comoção se tornou celebração, não dá para dizer que alguém encontrou uma solução de como lidar com a dor. A única certeza que se tem sobre essa partida é que há quem reze para que a alma descanse em paz, assim como há quem cante para os males espantar.

Sobre o autor

Jornalista no dia a dia e turista nas horas vagas. Vindo de Curitiba, se nega a dizer que tem sotaque, apesar de soltar um leitE quentE de vez em quando. Tem apreço por escrever e, quando se inspira, tira crônicas até de bula de remédio.

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