Lá em 2011, Criolo já dizia: não existe amor em SP. E felicidade, será que tem?
No dia a dia, na correria e nos entreolhares despretensiosos nas inúmeras filas que enfrentamos, ninguém percebe que, por muitas vezes, andamos ligados no automático, com a sensação de um anestesiamento que nos deixa inertes. E ao primeiro sinal de descontentamento, abrimos a carteira e buscamos comprar o que nos deixa mais felizes.
Por isso, resolveram transformar a felicidade em artigo de luxo. Agora, são poucos os exemplares originais. Os que a têm genuinamente, exibem com pompa, mas não a dividem. Egoístas que são, acreditam que sentimento partilhado é sinal de perda, subtração, diminuição do seu capital emocional.
Mas, não se preocupe! Trataram de criar uma réplica que, às vezes, passa por original de tão bem feita. Portanto, mesmo descrentes, mas ainda sedentos, os menos favorecidos e com um grande vazio no peito poderão comprar com o suor de suas experiências a versão feita para suprir a falta que a felicidade faz. Mas, espera lá! Vale lembrar que os pobres coitados viverão em um ciclo de novas aquisições em pequenos períodos, já que a qualidade ainda é baixa e o sentimento não dura.
Especialistas afirmam que ela não satisfaz, não sacia a sede de sorrisos e a obsessão por gargalhadas gostosas e nem irrompe aqueles gritinhos mudos que os exemplares originais de felicidade proporcionam por toda a vida. Apenas produz a ilusão de bem-estar momentâneo.
Como aplicativos, ser feliz também requer atualização. Exigida em momentos de dificuldades para que funcione em perfeito estado após as turbulências da vida, ela traz mais velocidade à felicidade e a deixa mais ágil em momentos de recuperação, além de possibilitar um backup de boas memórias em caso de novos desafios.
Já a versão falsificada, uma hora se perde e se esvai, assim como a água escorre pelos dedos, na primeira atualização. Os pobres coitados que possuem a réplica precisam sempre comprar uma nova, já que somente a original se permite atualizar. Porém, as finanças emocionais nem sempre permitem que, mesmo que pouco, ser feliz seja novamente “realidade”.
Estudos preliminares apontam que a escassez de felicidade no mundo é um risco e que o monopólio deste sentimento deve ser combatido. Antídotos para preenchimento de corações infelizes se mostraram ineficazes e a ciência acredita ter fracassado na produção de novos sorrisos.
No entanto, estudiosos do coração descobriram que a felicidade, ao ser dividida, multiplica-se. Isso mesmo. De novos pequenos fragmentos de vida feliz, ao dividir a felicidade em duas, três, quatro, cinco e assim por diante, novos seres felizes surgem e assim multiplicam a capacidade que dentro de si só aumenta.
Após a descoberta, os aflitos, cansados de sofrer com o vazio que trazem no peito, foram às ruas pedir que o direito à felicidade deixe de ser um bem privado e que possa ser partilhada entre o maior número de corações.
Esperançosos, eles acreditam que os donos desse artigo de luxo, ao estarem ambientados com a sensação sublime de ser feliz, comovam-se e abram seus corações em um ato de bondade. Agora, resta esperar que, por trás de seus sorrisos genuínos, as pessoas realmente felizes sejam capazes de compartilhar a mesma sensação que, até então, só podia ser vista na vitrine de uma loja cara de sentimentos. Inacessível para quem pouco tem, mas muito precisa.