O vento na estação Consolação me fez lembrar que cheguei ali sem prestar atenção no caminho que percorri. Eu lembro do despertador, do pé direito tocando o chão, e mais nada. De repente eu estava lá, parada em cima da faixa amarela de segurança.
Para muitos, rotina. Para mim, é o efeito da cidade.
Com o tempo, deixei de olhar para o alto ao andar na Paulista, não me assusto mais com as buzinas, não me irrito com os alarmes dos carros na rua e subo a escada rolante sempre pelo lado esquerdo. São Paulo entrou nas minhas veias, a cidade entra e sai do meu pulmão.
O metrô chegou e quando parou diante de mim, vi o meu reflexo na porta do vagão. Olhei para o vidro e atrás estavam pessoas que também olhavam seus rostos refletidos, como se naquele momento pudessem se lembrar de que a cidade também reflete a existência.
A São Paulo repleta de gente e caótica, para mim, já é clichê de cinema.
Quem está aqui sabe que é preciso acordar cedo e dormir tarde, o sonho paulistano não cai do céu – na verdade, não cai em nenhum lugar. Cuidadosos não gritam as ambições aos quatro ventos, eles guardam os sonhos debaixo do travesseiro, dentro da carteira e na caixa de fotos, enquanto se preparam para mais um dia nesse estranho cotidiano mecânico.
Para muitos somos os atrasados, os apressados, os sem tempo. Talvez até os estressados, os mal educados e conservadores. Mas por dentro, o paulista é trivial, antes mesmo de ser bordão. Somos o João que veio do interior para estudar, a Carolina que não podia perder a vaga de emprego no Itaim Bibi, o Miguel que casou e comprou apartamento em Perdizes, a Ana Paula que realizou o sonho de morar sozinha na Santa Cecília. Todo mundo vivendo um pedacinho do seu grande sonho na terra que já foi dos índios e dos jovens que gritavam: não à corrupção!
São Paulo tem um encanto sedutor, uma fome de trabalho, um ritmo automático da busca de algo a mais, de uma promoção, de uma vida tranquila no futuro. Na máquina do progresso, somos parte da engrenagem, somos a célula do superorganismo, a gota de água que não pinga mais das torneiras, somos a silhueta na porta do metrô.
Atualizado em 02/2021
Foto por John Michael Wilyat em Unsplash