Texto de Priscilla Millan
Nas ruas movimentadas do centro da cidade eu vejo rostos e as pessoas correndo sem parar, em um frenesi intenso e bem mal equilibrado. Todas ali caminham em horário comercial e vão de um lado a outro em busca de realizar seus afazeres e as tão pesadas obrigações. Mas esse é o panorama geral da cidade e assim como eu, acredito que todo mundo vê isso e já sabe como esta cidade é e funciona.
Mas ali no canto de muitos locais o que vemos ou o que não deixamos passar um pouco despercebido é o trabalho dos artistas de rua. Ali parados e bem posicionados eles esbanjam talento e irreverência no centro de uma cidade agitada demais. Com meros enfeites chegam a perfumar o ar e trazem frescor para quem ama a arte e seu dom tranquilizador.
Outro dia ali passando pelo Viaduto Santa Efigênia, que começa no Largo São Bento e termina na Igreja de Santa Efigênia, no centro velho da cidade, eu me pus a observar um guitarrista que tocava um rock bem alto, com enormes caixas de som e uma roupa toda com aspectos de papel pedra. A maquiagem era parecida com os integrantes da banda de hard rock americana Kiss, formada em 1973 em Nova York.
O que me chamou a atenção foi o conjunto de toda obra e a forma primorosa com que ele tocava. Meu deus, como eu queria saber tocar dessa forma! Ele parado ali de forma quieta, apesar dos estrondosos ruídos e som forte que ele produzia. No fundo, ele ali só queria espaço e um pouco de atenção ao seu trabalho. Mas mesmo assim, mesmo com o barulho, ele conseguia apenas uns olhares acanhados de quem passava. Eu fui perto dele e fiquei ouvindo, anestesiada. Dali em frente, as pessoas começaram a parar um pouco e ouvir. As crianças riam com seus sorrisos mais encantados.
Eu pego meus míseros trocados no bolso, pois não é hipocrisia, mas eu estou sem dinheiro para esbanjar e entrego na caixa ao lado do palco improvisado do cantor de rock que trabalha de sol a sol naquele viaduto. Homem de fibra. Cara que eu aplaudo de pé e sempre. Porque eu acho que a magia das coisas não está na aspereza e na concentricidade dos dias, os mesmos e indistintos.
Acredito no poder de uma música tocada ali de supetão, no horário que todos estão loucos cumprindo prazos e fazendo pagamentos, aconselhamentos, depósitos, enfim. Ali na inquietude da cidade eu enxergo e sinto a magia nascer, as flores ganharem vida com o sopro da cultura exercida ali em uma esquina das tantas do centro. Gosto de tudo que nasce ao acaso e mesmo assim frutifica e reverbera. Música aos que amam a arte. Música e um brinde ao roqueiro que sabe mexer com as veias de uma mera transeunte do centro de São Paulo.
Priscilla Millan Sou uma estudante de jornalismo que escolheu a profissão para conhecer histórias e tocar o coração das pessoas. Além de informar, gosto de escrever, de forma sutil, leve e desconcertante. Gosto da magia das palavras, de seu cheiro e de seus rastros. Gosto de atitudes, mas que por trás delas, haja belas palavras que eternizam cada momento.